terça-feira, 8 de setembro de 2009

O VINGADOR DO ESTÁDIO CENTENÁRIO


Moro nas imediações do estádio Mário Filho, às margens do Rio Maracanã, que forma ao lado do Amazonas e do São Francisco a trinca mais nobre dos rios que cruzam o Brasil. Vou ao estádio, portanto, até para assistir ao casados e solteiros que os garçons de uma churrascaria aqui perto de casa costumam promover no maraca no final do ano.

Ultimamente estava disposto a abandonar as arquibancadas. O motivo fundamental é, quero crer, mais do que justificado - a impossibilidade de tomar uma cerveja durante a partida. Assistir a esses jogos mixurucas do campeonato brasileiro sem o auxílio de umas geladas para rebater é chato pra burro.

Convencido, porém, pela minha mulher, acabei comparecendo ao Flamengo e Corinthians do último domingo. A Candida agora resolveu que vai a todos os jogos do Flamengo com o Edu Goldenberg. Como o Edu não conseguiu ir ao estádio, lá fui eu acompanhando a madame. Gosto de ir a jogos assim, sem torcer para nenhum dos times, com a tranquilidade dos que almejam apenas assistir a uma partida decente.

O jogo foi meio muquirana. O que chamou minha atenção, porém, aconteceu fora das quatro linhas. A torcida do Flamengo, assim como a do Botafogo faz com Nilton Santos e Garrincha, leva bandeiras em homenagem aos ídolos do passado. Bela iniciativa, também realizada pela torcida do Flu [que louva, de forma bacana, torcedores tricolores como Cartola e Chico Buarque]. Vi bandeiras reverenciando Zico, Andrade, Nunes, Rondinelli, Adílio, Lico, Raul, e por aí vai.

Eu sei que não tenho que meter meu bedelho nesse assunto de flamengos, mas como fã de futebol sou obrigado a dizer - a torcida deveria homenagear um ídolo que, no panteão do clube da Gávea, merece estar no mesmo patamar dos citados : Anselmo, o vingador do Estádio Centenário.

Nenhum jogador na história do futebol brasileiro cumpriu com tanta determinação uma função estabelecida por um técnico. Anselmo é daqueles casos raros de um cabra que deveria, pelos serviços prestados ao futebol, ser um patrimônio de todos os admiradores do esporte, como um Pelé, um Garrincha, um Zico, um Paulinho Criciúma ou um Rivellino.

O Flamengo disputava, em 1981, a final da Libertadores da América contra o time chileno do Cobreloa. Após a vitória por 2x1 no primeiro confronto, o urubu foi derrotado por 1x0 no jogo da volta, em Santiago do Chile.

A partida em território chileno foi das mais violentas da história do futebol. Em um campo cercado por carabineiros da ditadura chilena, um zagueiro do Cobreloa, Mário Soto, distribuiu pancadas de fazer corar até o general Pinochet. Dizem testemunhas e relatam jornais da época que Pinochet, nas tribunas, virou-se para um assecla e disse espantado:

- Não está exagerando, o nosso Mario Soto ?

Não satisfeito em praticar artes marciais no gramado, Soto resolveu disputar as jogadas com uma pedra na mão. O resultado: O maior número de supercílios abertos em todos os tempos dentro das quatro linhas. Adílio e Lico sangravam tanto que quase foram obrigados a fazer transfusão de sangue na beira do gramado. A vermelhidão chegou a ofuscar a brancura da cordilheira dos Andes.

A negra do confronto foi disputada em campo neutro - o Estádio Centenário, em Montevidéu. O Mengo definiu o título com dois gols do Galinho de Quintino, o que credenciou o time para disputar a Copa Toyota de 1981. Nada demais, apenas mais um jogo e um troféu, se não fosse pelo que ocorreu no final.

Faltando dois ou três minutos para acabar a partida, o técnico Paulo Cesar Carpegianni chamou Anselmo, o centroavante reserva, e deu a ele a instrução mais rápida da historia do esporte bretão :

- Nem aquece. Entra lá e dá uma porrada no cara.

Com impressionante disciplina tática, Anselmo fez exatamente isso trinta segundos após entrar em campo. O vingador rubro-negro deu um cruzado de direita em Mario Soto e levou o chileno à nocaute. Lembrou, pela técnica e precisão, o soco de Muhammad Ali que derrubou George Foreman na disputa pelo cinturão dos pesados em 1974.

Tenho sobre essa porrada uma tese irrefutável - ali, graças a Anselmo, as ditaduras latino-americanas que assombraram o continente durante a Guerra Fria começaram a desabar. O destino do próprio Pinochet foi selado naquele momento. Não é a toa que, em recente pesquisa publicada na Inglaterra, acadêmicos de renome consideraram que as três quedas mais impactantes da história foram a do Império Romano, a do Muro de Berlim e a de Mario Soto na final da Libertadores.

Anselmo restaurou, naquele golpe certeiro, a dimensão épica que o futebol, como metáfora da vida, deve ter. Relembrar a porrada em Mario Soto nos redime desses mauricinhos politicamente corretos, pastores evangélicos e festeiros infantis que ocupam hoje os gramados.

A diferença entre Anselmo e os Kakás e Ronaldos é a que separa os homens dos meninos. Enquanto o primeiro é um personagem digno de Ilíadas, Sertões e Odisséias, esses fracotes de hoje, quando muito, rendem apenas reportagens de quinta categoria na revista Caras.

Anselmo merece todas as loas.

Fonte: Blog do meu querido professor de história, Luiz Antônio Simas
"Luiz Antônio, o Botafogo é coadjuvante"

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