sábado, 12 de junho de 2010

Inania Verba**

E ela chegou no seu vestido demasiadamente preto. Foi dela a nobreza de um primeiro gesto. Tocando meu braço, perguntou-me como andava a vida.

E eu queria saber dizer. Eu poderia, na verdade. Mas é que o mundo gira muito mais rápido agora, entende? E o que eu falo nesse agora, já não é mais o que eu falaria há um minuto. As estações não se sucedem; dentro da gente, elas se imbricam. Existe tanto a ser dito. Eu não gostaria de, simplesmente... Entende? Não é tão fácil assim amassar e amansar tudo isso num só peito sem sangrar, sem gritar, sem fugir. E eu não queria nem gritar, nem fugir. O mal que é bem, e não se sabe. Não é fácil, entende? E se a palavra mal cuidada escapa, e se o vento fecha olhos e ouvidos, e se ele leva tudo pra outra ponta da margem do sentido? É muito perigoso pensar em dizer. É preciso silêncio. Eu preciso de silêncio pra pensar, pra dizer. Mas, com você, há crianças e velhos rabugentos discutindo em cada canto da minha criação e, quem sabe... Entende? É como olhar a árvore (reta, força, cor e céu) e pensar na raiz: o real está além do que se vê. Eu precisava me perder pra não te perder, e nos perdia.

- Bem, bem... E a sua?

(por Filipe Couto)
*"Inania verba", em latim, significa "palavras inúteis" e é título, também, de um famoso poema do mestre Olavo Bilac.

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